Uma pedra é um universo fechado sobre si,
perfeita concretização da estática:
nada ao exterior,
sólido egoísmo,
introversão congelada.
A pedra só sabe de si,
em seu sono hibernal;
pura discrição,
nada ouve, nada vê, nada fala,
uroboros petrificado.
Eliane F.C.Lima
(Poema registrado no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional)
Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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segunda-feira, 11 de outubro de 2010
domingo, 3 de outubro de 2010
ICH LIEBE DICH
por Cintia Barreto
Certa vez um homem olhou para uma mulher e disse: “Quer casar comigo?” Depois disso, nada mais foi o mesmo.
Marta, mulata exportação, vivia a comprar tamancos e vestidos que lhe valorizavam ainda mais a silhueta perfeita. Dada a elogios, ficava toda, toda quando, no caminho do colégio do filho de sete anos, assobios, piscadelas e buzinas a interpelavam. A mulher fingia não ouvir, mas verdade é que chegava a casa satisfeita e inspirada para iniciar as tarefas diárias. À noite, fazia sempre o jantar enquanto o filho assistia, pela enésima vez, seu desenho predileto na tevê da sala.
Beijo na testa, afago na cabeça. Beijo na boca, aperto na cintura e toca Marcos pro banho pra, em seguida, mais uma refeição em família.
Hei, nome de batismo de Marcos, alemão de origem, brasileiro por adoção, encantou-se com os trópicos e tudo o que continham, principalmente as mulheres. De todas que conheceu, nos primeiros anos de brasilidade, nada lhe tremia mais as pernas que Marta Brasil. Conheceu-a no curso de português pra estrangeiros de uma universidade pública. Era a mais ladina das monitoras e dava uma atenção especial ao simpático homem.
Verbos, substantivos, artigos, adjetivos. Cafés, papos, bilhetes e abraços. Não demorou muito, os dois bares, becos, motéis.
─ Ich liebe dich!
─ Ich liebe dich!
Marcelo chegou sem planejamento, em meio uma fantasia de colegial daqui, outra de oncinha dali, todas compradas, às pressas, num sex shop do Centro da cidade maravilhosa. O menino, assim, logo se anunciava entre duas linhas azuis no branco bastão do teste de farmácia.
─ Ich liebe dich!
─ Ich liebe dich!
Os anos passavam gostosos pra família, mas chegou um tempo em que Marcos se interessou por outras culturas. Matriculou-se num curso de francês, próximo a seu trabalho. A esposa preocupou-se e, desde o primeiro dia de aula, não demonstrou interesse pela nova empreitada do marido.
Era être pra cá, avoir pra lá e as noites ficavam mais longas nas portas e janelas do casal.
Verbos, substantivos, artigos, adjetivos. Cafés, papos, bilhetes e abraços. Biquinhos pra cá, biquinhos pra lá. Não demorou muito, os dois bares, becos, motéis.
─ Je t’aime!
─ Je t’aime!
A vida passava quase perfeita pra Marcos. De manhã, amante francesa; de noite, mulher brasileira e o homem não cabia em si de tanta satisfação. Foram dois anos de curso intensivo, mas chegou um tempo em que Ligia arrevoir e tocou pra Paris pra começar seu doutorado graças a uma bolsa integral que ganhou tirando o primeiro lugar num concurso promovido pelo famoso curso onde trabalhava.
Passagens, boinas, livros, cachecóis, bilhetes, meias, fotos e a mulher levou consigo o desejo do homem de conhecer outras culturas.
Desde então, na casa de Marcos e Marta, as aulas de alemão inauguraram um novo tempo. Seria agora ele o instrutor.
Luzes piscavam, folhas e lápis caiam, cervejas refrescavam as gargantas risonhas e sedentas. Na madrugada, quando o sono de Marcelo era ainda mais fiel, podiam-se ouvir sussurros em pronúncias perfeitas:
─ Ich liebe dich!
─ Ich liebe dich!
E pensavam felizes: “Até que a morte os separe!” Amém.
Certa vez um homem olhou para uma mulher e disse: “Quer casar comigo?” Depois disso, nada mais foi o mesmo.
Marta, mulata exportação, vivia a comprar tamancos e vestidos que lhe valorizavam ainda mais a silhueta perfeita. Dada a elogios, ficava toda, toda quando, no caminho do colégio do filho de sete anos, assobios, piscadelas e buzinas a interpelavam. A mulher fingia não ouvir, mas verdade é que chegava a casa satisfeita e inspirada para iniciar as tarefas diárias. À noite, fazia sempre o jantar enquanto o filho assistia, pela enésima vez, seu desenho predileto na tevê da sala.
Beijo na testa, afago na cabeça. Beijo na boca, aperto na cintura e toca Marcos pro banho pra, em seguida, mais uma refeição em família.
Hei, nome de batismo de Marcos, alemão de origem, brasileiro por adoção, encantou-se com os trópicos e tudo o que continham, principalmente as mulheres. De todas que conheceu, nos primeiros anos de brasilidade, nada lhe tremia mais as pernas que Marta Brasil. Conheceu-a no curso de português pra estrangeiros de uma universidade pública. Era a mais ladina das monitoras e dava uma atenção especial ao simpático homem.
Verbos, substantivos, artigos, adjetivos. Cafés, papos, bilhetes e abraços. Não demorou muito, os dois bares, becos, motéis.
─ Ich liebe dich!
─ Ich liebe dich!
Marcelo chegou sem planejamento, em meio uma fantasia de colegial daqui, outra de oncinha dali, todas compradas, às pressas, num sex shop do Centro da cidade maravilhosa. O menino, assim, logo se anunciava entre duas linhas azuis no branco bastão do teste de farmácia.
─ Ich liebe dich!
─ Ich liebe dich!
Os anos passavam gostosos pra família, mas chegou um tempo em que Marcos se interessou por outras culturas. Matriculou-se num curso de francês, próximo a seu trabalho. A esposa preocupou-se e, desde o primeiro dia de aula, não demonstrou interesse pela nova empreitada do marido.
Era être pra cá, avoir pra lá e as noites ficavam mais longas nas portas e janelas do casal.
Verbos, substantivos, artigos, adjetivos. Cafés, papos, bilhetes e abraços. Biquinhos pra cá, biquinhos pra lá. Não demorou muito, os dois bares, becos, motéis.
─ Je t’aime!
─ Je t’aime!
A vida passava quase perfeita pra Marcos. De manhã, amante francesa; de noite, mulher brasileira e o homem não cabia em si de tanta satisfação. Foram dois anos de curso intensivo, mas chegou um tempo em que Ligia arrevoir e tocou pra Paris pra começar seu doutorado graças a uma bolsa integral que ganhou tirando o primeiro lugar num concurso promovido pelo famoso curso onde trabalhava.
Passagens, boinas, livros, cachecóis, bilhetes, meias, fotos e a mulher levou consigo o desejo do homem de conhecer outras culturas.
Desde então, na casa de Marcos e Marta, as aulas de alemão inauguraram um novo tempo. Seria agora ele o instrutor.
Luzes piscavam, folhas e lápis caiam, cervejas refrescavam as gargantas risonhas e sedentas. Na madrugada, quando o sono de Marcelo era ainda mais fiel, podiam-se ouvir sussurros em pronúncias perfeitas:
─ Ich liebe dich!
─ Ich liebe dich!
E pensavam felizes: “Até que a morte os separe!” Amém.
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